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Operação Lava-Jato e o combate ao crime organizado no Rio: poderiam alguns mecanismos da fatídica ação serem utilizados no combate à violência no Rio?

Política & Sociedade, Por Rudolph Hasan, Cientista Social (UERJ) e Mestre em Sociologia (UFF)

Em 27/10/2023 às 20:36:17

Alguns leitores devem estar apreensivos. Afinal, evoquei a controversa Operação Lava-Jato logo no título do artigo. Acalmem seus corações, apertem os cintos e, despidos de preconceitos, concedam um voto de confiança e se permitam a leitura até o final. É um apelo indispensável quando tratamos de temas tão delicados e que mexem com paixões.

O Rio de Janeiro experimenta mais uma onda de violência, mas essa maré turbulenta não nasceu agora, vem de muito longe. Seria desnecessário elucubrar sobre as origens de facções e milícias por aqui, já há vasto material acadêmico e jornalístico na internet para consulta e não me concentrarei na gênese do problema, mas sim, na tentativa de apontar algumas reflexões direcionadas a construção de soluções para a situação.

No último dia 23 de outubro, o Rio de Janeiro viveu momentos de terror. Em função da morte de um miliciano em confronto com a polícia, vários coletivos foram incendiados, o comércio foi fechado e milhares de trabalhadores tiveram sua rotina bruscamente alterada, sendo impedidos de voltar para casa ou chegar aos respectivos locais de trabalho no dia seguinte. Os prejuízos foram enormes e o rastro de destruição trouxe novamente os holofotes aos grupos armados que controlam territórios no Rio.

Antes de avançarmos, desmistificar as antigas teses que separavam facções criminosas das milícias é necessário. Em um passado não muito distante, distinguiam-se facções e milícias a partir das atividades econômicas e alguns modos de operação distintos. Enquanto as facções concentravam sua atuação na venda de entorpecentes, desmanche de carros roubados e financiamento de quadrilhas associadas perpetradoras de outras práticas criminosas como assalto a banco e roubo de veículos, as milícias concentravam sua atuação na extorsão de moradores através da cobrança de taxas para “proteção”, exploração de serviços como venda de gás, comércio de tv à cabo e internet e exploração de transportes alternativos. Ambos os tipos de organização criminosa sempre atuaram com grande violência e brutalidade no cumprimento de suas atividades econômicas, o que segue inalterado até os dias de hoje. Contudo, há na história um processo de mudança no comportamento desses grupos criminosos.

Hoje em dia, podemos dizer, com maior segurança, que facções criminosas e milícias compartilham praticamente das mesmas atividades nos territórios onde atuam. Originalmente formadas em sua maioria por agentes do Estado, como policiais e bombeiros, hoje as milícias recrutam moradores locais e traficantes de drogas, e o mesmo ocorre entre as facções, onde já se identifica a colaboração de agentes do estado com as mesmas. Além disso, milícias e facções traficam entorpecentes, financiam quadrilhas associadas que praticam outros crimes e também exploram a economia dos territórios onde estão instaladas. Na esteira desse processo, cunhou-se o termo “narco-milícias”, para marcar essa “nova era” desses grupos violentos e organizados.

A gravidade da situação no Rio é extrema. Em matéria na Folha de São Paulo da última quarta-feira (25), a jornalista Bruna Fantti apresenta, através de pesquisa e investigação, informações que demonstram a milícia estar lucrando até com a venda de gelo para abastecimento de quiosques e ambulantes das praias cariocas. A matéria aponta ainda que a venda de vassouras na Zona Oeste do Rio estaria também sob o julgo de grupos armados. Em processos investigatórios um pouco mais antigos, já era possível notar a influência das milícias e das facções na disputa pelo controle de estacionamentos ou vagas de carro na cidade do Rio. Assustado, leitor?

Milícias e facções claramente se enraizaram na sociedade carioca e fluminense e estão impondo controle cada vez maior sobre TODAS as atividades econômicas dos territórios onde estão instaladas e já possuem ampla atuação fora dos limites de suas circunscrições, vide o controle de estacionamentos ou vagas em ruas e avenidas fora das favelas. Esse domínio e a prática contínua da extorsão de trabalhadores, moradores e empreendedores, representa um risco cada vez maior às próprias capacidades da Cidade e do Estado em revigorarem sua economia. Pequenos comerciantes, empreendedores ou trabalhadores liberais, em sua esmagadora maioria pobres e que tiram seu sustento de pequenas atividades econômicas, estão sendo asfixiados por grupos que, ao possuírem a força conferida pelas armas, coagem e destroem as possibilidades de desenvolvimento nas comunidades, contribuindo de forma decisiva para o aprofundamento da miséria e das absurdas desigualdades. Além da ausência do Estado formal muitas vezes na garantia de direitos, vemos o cenário piorar quando estão dentro do crime agendes do próprio Estado, o que torna a situação insustentável, demandando uma ação concreta, contundente e radical.

Em virtude da forte onda de violência desencadeada nos últimos dias, Governo Federal e Estadual tem se articulado para aprofundar parcerias no enfretamento à crise. Os limites da atuação Federal estão estabelecidos e não haverá uma intervenção da União, como muitos desejavam. Não é atribuição das Forças Armadas o combate a facções e milícias, fugindo ao seu treinamento e deslocando para um campo meramente territorial um problema de dimensões muito mais amplas. O apoio das Forças Armadas no controle das fronteiras terrestres e marítimas, bem como na fiscalização intensiva de aeroportos e campos de pouso, já é uma ajuda de grande impacto às forças de segurança do Estado, e deve ser dividida com a Polícia Rodoviária Federal. O Governo do Estado já tem atuado na investigação mais qualificada da lavagem de dinheiro das organizações criminosas e, ao que tudo indica, contará com apoio do Ministério da Justiça através da Polícia Federal nesse mesmo sentido. Essas parcerias são muito válidas e, se não tiverem data para acabar, com certeza resultarão em frutos positivos, gerando prejuízos e apreensões que causarão impacto nas quadrilhas. Contudo, essa receita de bolo não será suficiente caso objetive-se uma desarticulação mais profunda de milicianos, traficantes e indivíduos que tentam impor o terror a sociedade.

Um dos maiores desafios encontrados para o efetivo combate ao crime no Rio é a frequente participação de agentes do Estado em suas mais variadas esferas. O envolvimento de policiais civis, militares, bombeiros, membros das forças armadas e/ou até integrantes do poder judiciário se traduz em um desafio que demandará coragem e ousadia das autoridades empenhadas no combate ao crime. Mas, claro, dentro das regras do jogo impostas pela Constituição. Nesse sentido, podemos achar, na controversa Operação Lava-Jato, ferramentas indispensáveis ao sucesso de um processo investigatório que objetive identificar membros das corporações do Estado envolvidos com o terror.

Vazamentos seletivos para imprensa, grampos telefônicos sem autorização judicial e a punição de grandes empresas geradoras de empregos de forma indistinta aos funcionários perpetradores de delitos foram alguns dos equívocos mais vergonhosos da Operação Lava-Jato, que acabaram por deturpar seus objetivos, tornando-a uma Operação política de caça às bruxas, e não um instrumento de moralização de instituições e fortalecimento da Democracia. Entretanto, seria um equívoco sem tamanho, jogarmos a água da bacia fora com a criança dentro. Inovações do ponto de vista investigatório, trazidos pela Operação Lava-Jato, podem ser determinantes no sucesso do processo de desarticulação do crime no Rio. O próprio Ministro da Justiça já podia ir pensando em um nome para tal operação, caso queira fazer disso um case de grande relevância. Dica dada, hein, Ministro!

O Governo Federal tem falado com frequência no aumento dos efetivos da Polícia Federal no Rio e também expõe que haverá por aqui um gabinete em auxílio ao Governo do Estado, não deixando claro o que de fato será feito. Em verdade, nem devem falar muito sobre: informações sensíveis se guardam no cofre. Contudo, cabe ao Ministério da Justiça observar três eixos que suponho terem sido fatores de grande sucesso operacional da Lava-Jato quando tratamos de investigação de grupos fortes e articulados, sendo eles:

1- Formação de uma força-tarefa composta por Justiça Federal, Ministério Público e Polícia Federal, com suporte dos meios de comunicação;

2- Instalação da força-tarefa em território menos vulnerável à intervenção dos grupos investigados;

3- Utilização das interceptações telemáticas como ferramenta para coleta de provas e instrução processual.

A formação de uma força-tarefa composta por um Juiz de Direito responsável por determinado inquérito, somado ao Ministério Público e ao Ministério da Justiça, através da Polícia Federal, compõe a espinha dorsal da operação. Se faz fundamental que, sobre os nomes dos escolhidos, jamais tenha recaído qualquer processo ou suspeita de envolvimento com o crime organizado. A composição de tal força-tarefa, dentro dos parâmetros estabelecidos no direito, significará a agilidade necessária ao processo investigatório, como a solicitação do MP ao Juiz de autorização para quebra de sigilo telefônico, o imediato deferimento do pedido e a automática realização da função por parte da Polícia Federal, resguardando total sigilo e eficiência no tratamento das informações.

Em virtude da extensão e profundidade das conexões estabelecidas entre o crime organizado e agentes públicos ou empresários do Rio de Janeiro, caberia pensar sobre a instalação da força-tarefa em outro Estado da federação, onde esteja tramitando processo já instaurado que tenha no Rio investigados ou suspeitos. A comarca de origem de determinado processo judicial é mister quando tratamos da blindagem às investigações. Ao estudar a Operação Mãos Limpas (inspiração para a Lava-Jato), observa-se a centralidade conferida ao estabelecimento físico de determinada comarca responsável pelo inquérito e seus desdobramentos.

Por fim, e talvez a peça mais importante, as interceptações telefônicas e de mensagens de investigados constitui-se como básica, devendo ser o eixo central sobre o qual deve se debruçar a equipe de seletos policiais federais. Respeitando a Constituição Federal e, atentos à norma prevista na Lei Nº 9.296/96 (Lei de Interceptação Telefônica) e a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal sobre o tema, as interceptações emergem como a ferramenta que possibilitará mergulhar fundo na trama do crime, identificando agentes do estado, sejam eles policiais, políticos, juízes ou destacados empresários e demais profissionais que colaboram direta ou indiretamente com a violência das organizações de terror.

A perspectiva aqui apresentada pode parecer ousada, mas inova quando tratamos de dar ao crime organizado a atenção que ele realmente merece. Durante a Lava-Jato, nós observamos a utilização de alguns desses mecanismos de forma equivocada. A relação com a imprensa produziu muitas vezes a desqualificação pública de indivíduos comprovadamente ilibados e levou à destruição de empresas e de milhares de empregos. Talvez, só talvez, tenha chegado a hora de olharmos para Operação Lava-Jato de uma forma diferente. Temos de aprender com ela e utilizar aquilo que dela foi mais eficaz no combate aos que tentam impor o medo, aos que levam terror às comunidades, que exploram trabalhadores e trabalhadoras pobres e que, muitas vezes, além de estarem nas favelas, estão também em quartéis, delegacias, tribunais ou em luxuosos apartamentos à beira mar. Esses rostos precisam ser conhecidos e seus nomes precisam aparecer para a sociedade, impondo-lhes, então, a vergonha e condenando-os, segundo as leis, para que a paz seja restituída no asfalto e, principalmente, nas favelas!




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